Secretaria de Estado de Defesa Social e Guarda Municipal de BH estudam adoção de equipamentos para vigilância que imobilizam suspeito, como o spray de pimenta e o revólver de choque, apesar de alerta de médicos e especialistas
Sob a mira de uma faca, um sequestrador mantém uma mulher como refém. Horas a finco de negociação com especialistas mais experientes não surtem efeito. Atiradores de elite estão posicionados para executar o criminoso com um tiro de precisão, mas, como as forças de segurança trabalham na tentativa de manter todos os personagens vivos, a decisão é por invadir o apartamento e tentar a libertação. Sem sangue. Mas há um impasse: como retirar com vida da cena do crime os dois envolvidos? A cena narrada se passou no interior do Rio de Janeiro e a solução do grupo de inteligência da Polícia Militar foi o uso de um revólver de choque – conhecido como taser – para evitar uma tragédia. Distante cerca de 10 metros, o policial disparou um dardo energizado, capaz de imobilizar o alvo, deixando-o sem ação até ser feita a prisão. Nos últimos anos, para reduzir a letalidade na ação policial no Brasil, recorreu-se ao uso de tecnologias não letais e Minas adere ao modelo de armamento nos próximos meses: a Guarda Municipal e a Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) projetam o uso de dois exemplares – spray de pimenta e taser.
Em 2007 e 2008, 125 civis morreram no estado em confronto com policiais, de acordo com o estudo da Seds “Letalidade no sistema de defesa social de Minas”. Além disso, mais de 230 civis ficaram feridos. O levantamento aponta que os números vêm caindo, mas ainda são bastante significativos com uma morte a cada cinco dias, o que poderia diminuir ainda mais, com a adoção das novas armas. A proposta da Seds para o uso do taser é que o agente de segurança tenha a opção de um armamento intermediário, entre o cassetete e a pistola calibre 40. Podendo ser usado em casos de proximidade entre policiais e criminosos, o aparelho permitiria a detenção imediata do suspeito em caso de resistência. Atualmente, a única força de Minas a usar o taser é o Grupamento de Ações Táticas Especiais (Gate), da Polícia Militar.
Ao se aproximar do criminoso, o policial dispara o revólver, que lança dardos energizantes responsáveis por descargas elétricas no organismo da pessoa. Sem reações, é possível algemá-la e prendê-la, sem a necessidade de ferimentos mais graves – apesar de médicos e especialistas em segurança criticarem a adoção dos choques.
O uso dos aparelhos de choque por parte das forças de segurança pública brasileiras teve início em meados da última década. Na tentativa de diminuir a letalidade policial, principalmente das PMs, responsáveis pelo cerco ostensivo, a adoção dessas armas passou a ser incentivada pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) – braço do Ministério da Justiça. Caso emblemático é o da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Muitas vezes criticada pelo abuso de forças, a corporação adotou o equipamento em ações estratégicas.
Em território fluminense, a tecnologia não letal é usada com frequência e é meta oferecer treinamento especial para toda a tropa convencional. Segundo o porta-voz da Polícia Militar do Rio de Janeiro, capitão Ivan Blaz, o Batalhão de Operações Especiais (Bope) e a Tropa de Choque usam tanto gás de pimenta quanto o aparelho de choque. “As armas não letais, entre outras situações, são indicadas para uso em resgate de reféns e para dispersar multidões”, explica o militar. “A ação rápida e o efeito imediato possibilitam que, momentaneamente, uma pessoa em atitude marginal seja incapacitada”.
Projeto prevê R$ 2,5 milhões
No ano passado, a Secretaria Municipal de Segurança Patrimonial e Urbana de Belo Horizonte encaminhou projeto à Senasp para a compra de equipamentos de tecnologia não letal. A proposta é que sejam adquiridos 650 tasers, além de munição e sprays de pimenta. Ao todo, devem ser investidos R$ 2,55 milhões – R$ 260 mil em sprays de pimenta; R$ 540 mil em munição e R$ 1,75 milhão em armas. Simultaneamente, a pasta tenta preencher todos os requisitos necessários para que os guardas possam ser dotados de revólveres.
A ideia é que todos os agentes, em serviço, estejam armados na capital, seja com arma de fogo ou com a não letal. Um estudo que deve ficar pronto em agosto vai definir quais modelos serão adotados por cada unidade. “Os parques têm grande vulnerabilidade e é certo que lá os guardas usarão revólveres. Já as escolas têm público diferenciado e a escolha é pelos equipamentos não letais. Mas, na calada da noite, se for um ponto sensível, o guarda pode estar com uma arma de fogo. Inclusive, os agentes devem adotar os dois tipos de equipamento”, explica o comandante da Guarda Municipal, coronel Ricardo Belioni, ressaltando que a compra das armas não letais deve ser imediata.
A adesão de guardas municipais ao uso de aparelhos de choque é alvo de críticas por parte de especialistas no assunto. Criada, no entanto, somente para atuar na proteção do patrimônio público, especialista em segurança pública discorda do uso não só de equipamentos não letais, como também das armas de fogo. Segundo o pesquisador do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais (Crisp/UFMG) Róbson Sávio, por não ter caráter de polícia ostensiva, a corporação deveria continuar desarmada, exceção para agentes especiais. “O taser é um tipo de armamento que deveria ser exclusivo de algum grupamento especializado até a chegada da PM. É preciso treinamento contínuo e a compreensão que o armamento tem que ser usado em caráter especial e não responder em todas as situações”, diz.
Fonte: Pedro Rocha Franco - Estado de Minas